A banda paulistana Excambau! já possui quase 10 anos de história, mas agora é a hora em que chegam ao seu auge: o novo disco Então se Explica! está saindo do forno, com excelente produção (a cargo de um gringo, Brendan Duffey), e promete torná-los cada vez mais fortes no underground rocker nacional. O som dos caras mescla peso, groove e ataque frontal, com influências fortes de Rage Against The Machine, Faith no More, Sevendust, Suicidal Tendencies, Body Count, Pantera, Beastie Boys, entre outros. Com letras em português repletas de provocação política e raiva bem canalizada, o Excambau quer meter o dedo nas feridas e tem orgulho de se dizer uma banda totalmente movida a ideologia.
Como eles mesmos dizem: "acreditando que a música, e principalmente o rock, possa ser o combustível da atitude contra a mesmice e o conformismo que impera não só na nossa maneira de pensar, como no cenário musical atual, o EXCAMBAU! traz um álbum repleto de peso, riffs marcados, vozes urgentes, poesia questionadora e ritmo empolgante. O álbum conta com 12 faixas e temas variados: desde inspirados no filme Apocalypse Now (Coppola, 1979) em "Charlie Don't Surf" passando pela ditadura brasileira em "AI-5" ...".
O vocalista Joh, junto com dois camaradas dele, topou bater papo com o Depredando o Orelhão num boteco de Sampa e explicar a quantas anda os escambaus que eles têm causado. Ele chega num fusquinha amarelo, que estaciona com classe num espacinho miúdo, e vem se sentar na mesa do boteco em Moema pr'um longo papo regado a cerveja. A esposa Lili chega perto da meia-noite, depois de colocar as duas filhas do casal para dormir, e entra no papo também. Em meio às garrafas de Serra Malte que se acumulam, o vocalista fala sobre a história da banda, o disco novo, influências e perspectivas. Elucida também os trampos extra-musicais em que estão envolvidos, como o Projeto Caixa Preta, e comenta um pouco da relação efervescente que possuem com a internet e a cibercultura. Abaixo, os melhores momentos da conversa... com a palavra, Joh!
MÚSICA TURBINADA COM IDÉIA. "Uma coisa que nós tínhamos conversado antes de começar este disco novo foi que música sem idéia é peido, arroto... não faz sentido! A nossa banda existe por causa da idéia; não é que a banda teve uma idéia... Num país onde tem tanta coisa errada, numa sociedade que está cada vez pior, para nós fazer música sem idéia não tem porquê. E me fala uma banda hoje em dia que tem idéia, cara! É B Negão e olhe lá... Eu não lembro de várias. Se você for pegar o maior evento de música jovem no Brasil, o VMB, foi pífio de idéia! A única idéia que teve foi a do Excambau!, que apareceu lá com as caixas pretas. E o legal de conversar sobre isso, com vocês do blog ou com camaradas, é que dá pra deixar muito claro que a gente quer expandir o pensamento para além da música."
"música sem idéia é peido, arroto..."
BAND OF BROTHERS. "A banda pra gente é uma válvula de escape. Até bolei uma teoria ultimamente que diz tem dois tipos de banda: aquele de gente que 'gosta' de ter banda e de música, e aquela pra quem a banda é quase uma necessidade física. A gente do Excambau! tem banda porque a gente precisa! Se você fica sem ensaiar, sem fazer música, sem tocar, bate um desespero, uma vontade extrema de divulgar o som, a idéia...
"Eu não tenho banda porque eu 'gosto'. Você gostaria de deixar suas filhas em casa chorando pra ir ensaiar? Gostaria de brigar com a sua esposa porque precisa tirar um pouco do seu orçamento mensal pra pagar num-sei-quê-lá da banda? Gostaria de ter que fazer uns trampos frilas pra bancar algo da banda? Gostaria de arranjar uma treta com um brother seu de infância por causa de uma idéia? Ninguém gosta disso, velho!
"Só que a questão é que eu PRECISO desses caras. É um bagulho que a gente escolheu. Não é uma gravidez indesejada. Às vezes falo pra mim mesmo: 'Caralho, eu sou louco, como é que eu posso me foder tanto por uma coisa que eu escolhi fazer?' É que não tenho outra escolha! É tipo Call Of Duty, você é obrigado a fazer aquilo. É tipo Band of Brothers: os caras se voluntariaram a ir pra guerra; chegou lá, se fode, num tem jeito... Tá no inferno, abraça o diabo..."
VIDEOCLIPE NO MEIO DA RUA: "Surgiu a idéia de fazer o clipe na faixa de pedestres, e aí criamos a história de um menino que antes vendia balas e depois decide fazer malabares no farol. Tivemos a idéia de fazer um flash mob... Na gravação, teve uma pá de gente pra montar o bagulho. A gente ficou lá no cruzamento da Avenida Rebouças com a Avenida Brasil das 9 da manhã até as 9 da noite, sem parar o trânsito um segundo! A chance de chover, a polícia parar, qualquer merda acontecer e o clipe não sair, era grande. E deu certo pra caralho, foi bem louco, velho! A polícia parava, olhava, num tinha o que fazer... Veio a CET, helicóptero da Record! Aí veio a reportagem da Record, 'a gente quer falar com a banda!' Aí foram conversar comigo: 'o que vocês vieram fazer aqui hoje?' Aí eu fiz um puta discurso, falei poucas e boas pra repórter, sem palavrões nem nada, aí chegou na hora de sair no telejornal, numa materiazinha sobre artistas de rua: 'Os artistas tentando divulgar o seu som, em busca do grande público, tomaram conta da faixa de pedestres...' E aí aparece o Joh falando: 'É, artista é exibido!' (gargalhadas gerais) Ah nããão! Puta que o pariu! Foi uma experiência muito louca."
CRÍTICA SOCIAL E CHAMADO AO DESPERTAR. "Tem nêgo que faz disco temático, tipo 'As Nove Noivas do Rei Arthur' (risos), de quatro, cinco horas de duração. Já nós do Excambau!... 'qual o assunto que a gente está tratando?' Falar que é 'crítica social' é pouco. Não é só isso! As nossas letras falam de um jeito muito pessoal: o que você faz? o que você vê com os olhos fechados? Acreditamos que ao invés de você tentar atingir a massa, que é um negócio disforme, burro e chato, é muito mais interessante você tentar atingir o indivíduo. Se você não atingir o indivíduo, você não transforma a massa. É muito mais realista, no meio dessa utopia toda, que você consiga fazer uma pessoa despertar do que milhares despertarem."
"Se você não atingir o indivíduo,
você não transforma a massa."
APOCALIPSE OU UTOPIA? "Eu não diria que o Excambau é uma banda apocalíptica; é uma banda utópica, com uma atitude 'positivista'. Porque o que estamos propondo pras pessoas é uma mudança individual. Ninguém está dizendo pra você sair mudando o mundo. Muda a tua rotina! Um mudando sua rotina é uma coisa; mas quando mil caras mudam suas rotinas, aí já começa a ficar relevante. Mas minha visão pessoal é mesmo um pouco apocalíptica.
"E sabe como você percebe essas coisas? Quando pode comparar. Já estive em lugares que eram paraísos naturais, porque eu gostava de acampar em lugares bem selvagens, e quando você volta e vê casas em volta, pessoas jogando lixo no riozinho onde você pegou água para fazer almoço, aí você começa a pensar assim, velho: daqui cinco anos tem uma empresa aqui do lado, um bairro aqui do lado que não vai ser planejado... E assim o ser humano avança como um câncer sobre a terra.
"Se você ver uma mancha demográfica no Google Earth, velho, é tipo uma casca duma ferida! O ser humano é podre, tá ligado? Mas isso é uma visão particular minha. Isso não transparece na música do Excambau! porque a gente tenta passar uma mensagem positiva, de que existe esperança no indivíduo."
DISCO NOVO. "Neste novo disco, Então se Explica, a gente botou tudo: força, grana, tempo, criatividade, tudo no extremo. É a conseqüência de 10 anos de trabalho. O produtor gringo, o Brendan Duffey, foi tipo jogar na mega-sena, só que a gente não jogou: foi só achar o bilhete; a coisa caiu no nosso colo. O Lagarto (baterista) já conhecia o gringo enquanto ele trampava no Midas, até o dia que o Brendan nos fez a proposta. Ele trampa com estúdio e já fez trabalhos com uma pá de gente, desde Black Eyed Peas até Machine Head e gravou diversos artistas da cena do rock. O cara quis abrir um estúdio no Brasil, armou um bunker de 3 andares, o melhor estúdio que eu já toquei! Aí fomos convidados pra ser a 'cobaia' desse estúdio. Ele podia ter escolhido qualquer banda da cena underground, então pra nós foi um puta orgulho ele ter escolhido a gente. Foi muito bom lidar com um cara que manja de música, que decidiu trampar com a gente, que dividiu as idéias... foi do caralho.
"No primeiro disco tinha uma música chamada 'Jesus te Ama, Mas eu Te Odeio' e uma que chamava 'Ajoelhou Tem Que Rezar', que era sobre um boquete – ou seja, puta coisa de moleque, condizente com a idade que a gente tinha. No primeiro álbum, a influência era muito Rage Against The Machine. Agora gravamos um material um pouco mais maduro, o que é inevitável. No primeiro eu não era casado. Agora já sou, tenho duas filhas, sei como funciona o sistema, o que é botar óleo nele, ter que pagar as contas..."
CAIXA PRETA. "Eu percebi, em alguns shows, que entre cada música eu queria falar tudo que eu tinha pra falar nos últimos dois anos. E a gente inventou a caixa preta para isso: por essa necessidade de expandir nossa atividade para além do som. A idéia surgiu quando terminamos o disco, pegamos a master às 3 da manhã e aí falei: 'vou ouvir essa porra inteira!' Fui e fiquei dando rolê na Marginal, com o som no talo, pegando um monte de ponte. Ficava pensando: como a gente consegue atingir as pessoas sem ser um lance marqueteiro, sem ser um 'ouça meu som! Ouça meu som!'?
"Surgiu a viagem de que a gente deveria interferir na vida das pessoas: vamos colocar uma coisa que as pessoas digam: 'que porra é essa? O que isso significa?' É pelo tesão de ir lá e cutucar. Isso mobilizou muito a banda e os amigos que nos rodeiam. E pra pintar as caixas foi um épico, velho! Fizemos uma pá de reuniões, com oito pessoas, lá em casa, pintando as caixas uma por uma, quase 300 caixas! Até minha irmã foi uma pessoa que abraçou a parada, tava lá no dia que botamos 100 caixas na Avenida Paulista...
"A HQ V de Vingança influenciou muito a idéia, também. Sem falar que ela surgiu depois da efervescência que eu tive depois de assistir o novo filme do Batman, Cavaleiro das Trevas. Aquele Coringa, aquele terrorismo ideológico que ele propôs, eu achei que fez tanto sentido, velho! Pra mim ele é o herói do filme, tá ligado?! Tem umas frases dele que são foda! Aquela parada da barca, de botar as pessoas em xeque daquela maneira, é bem louco. Nem sei se a conclusão daquela cena é a conclusão que eu gostaria de ver. Se fosse no quadrinho talvez não fosse daquela maneira."
INTERNET, BLOGOSFERA E CIBERCULTURA. "A gente só prensou 500 CDs porque rola um trabalho forte de divulgação na internet. E essas paradas com a Internet sempre existiu: a gente tinha um site em Flash numa época que que banda nenhuma tinha site. Depois que ajeitamos nossa página no Myspace, pulamos de repente de 70 pra 900 amigos. Achei muito massa que calhou de vocês do Depredando mostrarem interesse em falar com a gente, porque era justamente o que a gente tava procurando: blogs legais onde divulgar nosso som e o que a gente pensa. Dei uma lida, falei 'o blog dos caras tem uma profundidade que é legal'. Queremos fazer mais disso: entrar em blogs, ler com cuidado, entender o que o cara curte, entrar em contato, até pra não colocar seu som em qualquer lugar. Somos a favor de divulgar o som na net. Fazer o bagulho e guardar no bolso, guardar na meia, num tem porquê!
"O blog chega e fala,
pau no cu da gravadora.
Fala tudo na lata, como tem que ser!"
"E esse lance de blog é muito democrático. Tem muito blog que tem o trampo de uma revista, se pá até melhor! Porque revista tem que fazer concessão, tem que ser político, o blog não! O blog chega e fala, pau no cu da gravadora. Fala tudo na lata, como tem que ser! Às vezes o cara nem é jornalista, nem é profissional, mas é apaixonado por música, gosta de propagar o que ele curte, meter o pau no que acha ruim... Não tem público de divulgação melhor que esse! A Internet é uma criança: fala o que quer, sem filtro nenhum."
BLOG AÇÃO CAIXA PRETA